Post compartilhado de Rui Amaral - Uma bela história dos grandes personagens de nosso automobilismo.
A melhor
corrida?
O tempo marcha nos alcançando e na medida em que vamos
virando história muitas pessoas perguntam aos pilotos qual foi sua melhor
corrida. Nesta altura penso no Rubens Barrichello com seu extraordinário
recorde de presenças em GP e enorme experiência pouco aproveitada nos
tempos em que vivemos uma categoria principal de vendas de assentos.
Imagino que enorme contribuição ele poderia dar participando dos Grandes Prêmios
da atualidade que seriam incorporadas nos carros de competição em
benefício do universo automobilístico. Esse nível de experiência não se
colocando a serviço é uma perda irreparável para o esporte motor.
Por isso,
fico dando cambalhotas de alegria quando o Kimmi Raikonnen mandou
via radio/voz o engenheiro com seus gráficos la no box ficar calado que
ele sabia o que estava fazendo naquele grande premio de Abu Dhabi .
É
"um" tal de meter a colher de pau em todo canto nos dias que vivemos
de arrepiar os cabelos. Como se estes pudessem prever o imprevisível.
Podem anunciar uma possibilidade de problema e ocorrência através dos
sensores transmissores instalados o que já é bastante futurístico, pois é
a finalidade da observação nas telas nos boxes, mas propor uma variante
que depende da pilotagem se torna uma perigosa invasão. Eu acredito que um
piloto tenha nestas condições uma posição indiscutível de visão antecipada
do que pode ocorrer, interpretando o aviso. O conceito de competição
na Fórmula 1 está sem dúvida fora da realidade. Muita interferência vocal
e especialmente desconcentração do piloto estão inseridas neste contexto.
Eu posso afirmar que em condição
de ataque ou defesa no transcurso da competição, um piloto articula
com grande antecipação onde e como pode eventualmente segurar um
adversário ou ultrapassa-lo cujos limites gerais, máquina e piloto se
equivalem muito nos que estão no topo da linha. É literalmente um jogo
semelhante ao Xadrez. A estratégia se encontra na antecipação.
Em 1970
no torneio que foi complicado para mim, denominado por BUA - British
United Airways, durante a prova do Rio de Janeiro, na segunda bateria - eu
fora obrigado a sair em último lugar na primeira bateria porque não pudera
classificar com um motor onde se encontrou um parafuso cravado no
pistão... e não pude classificar - portanto, saindo em 12º lugar alcancei
o líder Emerson Fittipaldi na sétima volta e conseguira no
vácuo finalmente ultrapassar no final da reta antes da Sul. Emerson tinha
na sua equipe Lotus cinco motores Holbay disponíveis e eu tinha um motor
Steel na minha Lola T210. Ficou logo evidenciado de que ele tinha aquele
cabelo a mais de motor, mas eu tinha o controle absoluto da pista.
Emerson
tentou durante duas voltas onde podia passar que era onde eu o
havia passado, sem sucesso, no final do retão antes da curva Sul. Eu sabia
que em algum 2 momento ele iria me passar e eu teria todo o trabalho de
novo para recuperar, sabendo que ele iria se defender melhor desta feita.
No entanto eu me preparei por duas voltas numa trajetória regular
tangenciada enquanto eu sabia fazer a Norte por cima na rampa e na
terceira volta surpreendi o Emerson que achou que eu estava perdendo o
controle do carro e sai uns vinte metros na frente dele no retão o que me
permitiu com muito mais carro no chão abrir onze segundos dele
até...acabar a gasolina.
Mas isso é outra história...Mas é
um exemplo claro do quanto o piloto precisa de concentração e
estratégia por conta própria sem interferências...
Ricardo
lidera Emerson, Torneio BUA 1970 etapa Rio de Janeiro.
Outro
percalço mortal é o da administração do desgaste dos pneus.
Este
fator então simplesmente destruiu boa parte do conceito absoluto
do heptacampeão Schumaker. Assistam a largada no Youtube do grande premio
de Monza de 1973, por exemplo, entre outros mil e imaginem alguém pensando
em administrar o desgaste dos pneus...Peroba Bueno...- o Luzinho Pereira
Bueno - costumava "roncar cavernosamente" com seu vozeirão de
baixo tenor, algumas irreproduzíveis palavras que explicavam bem o assunto
que se resumia no seguinte: onde começa a pilotagem e onde começa a
administração e sobretudo: porque ter que administrar uma corrida
de Formula 1?
Vendo
Peter Gethin na largada e primeira volta do GP de Monza você vê e
duvida daquele carro na parabólica, na ponta e nas quatro em derrapagem
controlada e ainda assiste a manada toda na mesma batida. Sim, era mais
perigoso, havia menos proteção e matava mais. Era a Fórmula 1.
Mas a
pergunta a ser respondida é outra. Estou de fato curvando por fora por causa
da chuva. Já vou trilhar de novo...
Muitas
horas de recapitulação transcorreram na minha mente agradecida por
estas perguntas diretas e impossíveis de serem respondidas sem um embaço
no canto do olho.
Daí...
perdi a trilha e ia indo por fora...
Sim. A
Melhor Corrida...
Vou me
ater a uma dessas Etapas do Tempo porque envolve personagens a quem devo o
que não posso mensurar apesar de alguns não terem feito nada diretamente
para minha pessoa, mas para o bem do circo, estivesse o circo no nível que
fosse, de Formula Ford a Formula 1. Para muito bem do circo que é o
esporte motor quando esporte motor.
De alguma
maneira o Chris Steel, fabricante certificado pela Ford para fazer os motores
Steel já estava incomodado havia algum tempo. Havia feito mais de uma
dúzia de motores para testes de motores e carros inclusive dos pneus F 100
Firestone destinados à Formula Ford em substituição aos Avons Cross Ply.
Ainda, lutou muito para conseguir convencer o mago John Webb, da
administração das pistas de competição privatizadas da Inglaterra
precursor absoluto do gênio que veio a ser o Eckelstone.
Em todos
os testes os tempos baixavam com os ajustes do piloto brasileiro. O
cara precisava voltar para as pistas. 1970 "estava" a chegar
há alguns meses e a Formula Ford, a mais poderosa do mundo em
produção e numero de participações nacional e estrangeira crescia de forma
exponencial.
A
America, via Carl Haas, já falava abertamente na importação de 250
monopostos e a briga ia ser fenomenal na área dos certificadores de motor
porque o padrão Inglês iria ser seguido à risca em termos de regulamento
apesar do motor "Cortina" ser desenho e produção da Ford
Inglaterra. Mas esta tinha sido a exigência da FIA, onde pressionava com
muito respeito que detinha o próprio John Webb.
Webb
sonhava com a possibilidade da integração americana e
estrangeira intercontinental na Fórmula Ford na Inglaterra, porque barata,
lógica e por todos reconhecidos como fomentadora do esporte motor, nos faz
hoje enxergar, décadas após o fato, o quanto o Bernie seguiu o roteiro num
plano mais elevado graças a TV....
A Fórmula
Ford era a menina dos olhos do esporte motor vinte anos depois da guerra e
representava o nicho mais importante da evolução da indústria do país
que se revelava extraordinariamente parecido e em paralelo ao que Reginald
Joseph Mitchell havia inoculado no orgulho da Inglaterra com o seu
Spitfire Supermarine, aquele avião que havia sido projetado para vencer em
corridas aeronáuticas e acabou vencendo a batalha
da Inglaterra.
O país
pulava de uma indústria automotiva caquética, conservadora, retrograda
porem plena de clichês burgueses com suas deliciosas
viaturas monolíticas onde o conceito de penetração
aerodinâmica
terminava na ponta do nostálgico cachimbo do cidadão. Quanto charme este
carros
tinham e
como eram ineficientes ao ponto de ser deficientes e parcialmente
paraplégicos e sem recursos...Mas o Spitfire...
Quem
conhece o histórico caso da Pointe du Hoc da segunda guerra mundial
horas antes do desembarque no dia 6 de junho de 1944, penetra devagar mas
com segurança na formidável noção de comando histórico que se não se
encontra acesa ou inflamada, rescalda infinitamente no bojo estomacal de
qualquer Inglês. Aquilo é latente.
Eles
jamais largariam o cetro reinante do esporte motor sob todas e totais facetas
a cada passo que o automobilismo dava se expandindo mundo afora. Eles
haviam enxergado a chama do desafio, A APOSTA, veneno mortal da alma
britânica. Quem conviveu com eles em todas as classes e níveis percebe o
infinito desejo de desafio do impossível com fleuma, certo desdém, mas
infinito orgulho e prestem bem atenção: compartilhado. Lá no Pub, todos os
dias nos horários que a rainha permitia. Todos se reconhecem todos se
respeitam, todos observam seu nível de ascensão, vitória, desafio e todos
buscam um meio legítimo de compartilhar expondo igualmente até
onde chegaram entre si para a glória total e completa da nação britânica.
Por isso tem monarquia democrática com reclamação, desdém, crítica e um
infinito amor.
Aprendi
na Inglaterra que o provável único meio de você desarmar completamente
um Inglês é dizer - Help me!
É
indefensável. Você irá encontrar a justa ajuda sempre que esta for justa no
sentido de te colocar em pé de igualdade como indivíduo. Você também vai
encontrar a dura cobrança pela sua invocação. Acredite: caminhar em
direção de bem suceder para não chamar de sucesso é a forma mais plena de
satisfazer sem mais comentários ou sequer lembrança de um dia ter ajudado
um cidadão de respeito britânico.
E, o
Chris Steel, anteriormente engenheiro de torpedos estava
profundamente incomodado. Chris entendia muito bem que os
treinamentos e ajustes de carros de outros pilotos bem como os testes de
equipamentos estava suprindo o piloto brasileiro com bons meios de
sobrevivência, mas ele achava que o cara valia mais do que isso para
ele mesmo tanto quanto para si, Chris Steele.
Sua
experiência com o Australiano Tim Shenken e um tri campeonato Inglês lhe
davam uma envergadura e presença no meio do esporte motor bastante
importante. Mas, aquilo era o esporte motor. O rei morreu, viva o rei.
Shenken se fora a caminho da F III e em busca de continuidade na
carreira. Chris pensava muito em se envolver em F III, F II e talvez mais
adiante quem sabe...
O caminho
mais curto estava decididamente no campo da Lola com seu envolvimento nos
EUA e o presidente da Associação de Pilotos de Gran Prix, Joachim Bonnier que
era especialmente simpático com a ideia do Brasil voltar a brilhar no
esporte motor como fora nos anos pós-guerra. Já havia demonstrado enorme
simpatia pela dupla apresentada por Stirling Moss e especialmente
comentara sobre o jeito de ajustar carros que um dos pilotos demonstrava
secundando o Chris nos testes de pista.
Queimando
suas meninges, Chris finalmente resolveu telefonar para a Merlyn
em Colchester e falar com o Selwyn Hayward, fundador e proprietário da
pequena empresa joia do esporte motor britânico. Selwyn é um nome que
merece respeito e lembrança de ter nos deixado em Março de 2012. Com
sua autoridade de campeão tri com os carros Merlyn, explicou com detalhe
o acidente e perda total do monoposto em Oulton Park de um dos pilotos da
Equipe do Stirling Moss. Isso o estava impedindo de prosseguir no
campeonato e o Moss já havia gasto um bom dinheiro com o acidente do outro
piloto logo na sua estreia. Havia alem do mais muitas dificuldades de
receberem os dinheiros dos patrocinadores no Brasil mensalmente. Estava
difícil conseguir repor o piloto nas pistas e queria saber se
poderia contar com a ajuda da Merlyn.
Selwyn
aparentemente não entendeu bem e retrucou ao Chris que estava com
a produção totalmente vendida e com entregas de quatro meses a completar,
portanto o que ele poderia esperar que pudesse fazer. Chris retrucou
perguntando se não tinha um carro de teste que pudesse dar conta do
recado. Aparentemente, Selwyn não querendo negar nada ao Chris a quem
de alguma forma devia muito do sucesso, lhe disse então: "temos
aqui um chassi e triângulos montados no monoposto que o Teddy Pillete
pilotou em 63 pendurado na parede, é a única coisa que
poderíamos pensar em usar". Nisso o Chris agradeceu, disse que
iria pensar no assunto e retornaria se fosse o caso.
Cerca de
três dias depois de sair fumaça da cabeça o Chris me chamou para testar o
carro do piloto Geddes Yates filho de família abastada que estava vendo as
nuvens passar com o carro e precisava de um piloto de teste que
o auxiliasse a ajustar a máquina. Agradeci, já eram mais uns trocados que
me entrava ao bolso e marcamos para a quarta feira de testes livres em
Brands Hatch.
Yates era
mais do que simpático e obviamente um decidido piloto amador. Mas como com
os Ingleses não se pode achar nada com antecedência e de repente morde-lhe
a mosca azul e o cara resolve ser piloto de competição ainda por cima com
meios, eu me empenhei a rever a máquina dele e dei um bom trabalho aos
mecânicos. O carro estava necessitando realmente de um ajuste competente.
Sentamos alternadamente no carro para andar no circuito clube em séries
de quatro voltas com cronometro ativo. Consegui colocar o carro a
oito décimos do recorde da pista e Yates melhorou cerca e dois
segundos na melhor volta o que era um máximo num circuito clube.
Estava
exultante e aproveitou para me apresentar o Vern Schuppan. Vern fez
de tudo para me levar para a Austrália onde ao longo dos anos se tornou
uma figura importante no esporte motor na Nova Zelândia, Austrália e
principalmente no Japão onde fez fortuna ao longo de uma carreira muito
interessante. Enquanto Yates ficara feliz com os resultados, o Vern que
conhecia a rota pregressa do Yates ficou absolutamente atônito com o
resultado. Ele me encostava à parede do box e me perguntava como é que
podia fazer aquilo que eu conseguira em quinze a vinte voltas. Então me
contou a trajetória de Yates em alguns meses correndo com
oficinas especializadas, equipes de teste e bastante dinheiro sem nunca
conseguir chegar a resultado sequer satisfatório. O que o Vern não sabia
era que o Yates sabia ouvir e interpretava muito bem e me alcançou
rapidamente se valendo de algumas informações de cocheira necessárias, mas
que são em 95% dos casos inúteis para a maioria dos pilotos que tive
contato em pista. Ele entendeu de imediato que a função do estabilizador
naquela pista e em duas curvas exercia função negativa se o traçado
fosse ortodoxo, tipo instrução de quadro negro. Isso lhe valeu destarte
uma resposta no acelerador que inicialmente o assustou conforme comentou
comigo. Mas teve coragem de se valer da informação e em meia dúzia de
voltas pegou o jeito. Yates teria tido sua oportunidade se fosse levar o
caso a sério e eu tive esperança de que talvez viéssemos a fazer uma
equipe. Acho que se manteve muito bem no esporte até cerca de dois
anos que o conheci. O Chris também navegou nessa ilusão, mas...acredito
que a família cortou-lhe as azas.
Entretanto
Chris comentou comigo o caso da "mula"do Selwyn la em Colchester e eu
fui em busca das fotos do carro e finalmente pedi para o Chris se ele
conseguiria estabilizadores do MK11A e um jogo de amortecedores Spax novos
com a Spax fábrica.
Os
estabilizadores tipo invertidos do MK 7F II seriam impróprios para os modernos
F 100 radiais, essa era a minha previsão devido a uma experiência muito
segura que tive com os Cinturatos VR e HS o que pouca gente sequer tinha
ideia do que se tratava nos anos que fui campeão Carioca e Brasileiro como
piloto contratado da equipe Fittipaldi em Formula Vê.
Ter uma
noção sensitiva do que pode fazer um estabilizador em monoposto que
entra em ciclagem com a mola helicoidal é muito importante especialmente
usando pneus de pressão media alta o que é o oposto da presente realidade.
Experiência nesse campo transcende o tempo e tem um valor inestimável e
que demonstra a importância do exercício do piloto aspirante na pilotagem
em pneus radiais de alta deformação, baixo coeficiente de aderência,
resvalo ao solo (fator visceralmente importante porque é a origem radical
do "stitching" mortal nos pneus de competição da atualidade). O
maldito pneu "slick" mascara por completo todos estes efeitos a
ponto da engenharia da atualidade que sabe pouquíssimo sobre pneus - todo
engenheiro conhece apenas um
"pedaço"-
se vale descaradamente a "acertar" o carro - estamos falando de
monopostos na Fórmula 1 - baixando ou elevando, leiam bem ; meia libra de
pressão a mais ou menos nos pneus porque o piloto não tem a sensibilidade
da suspensão sob o efeito Down Force que se altera de acordo com a
velocidade de tráfego, para se balizar. Daí a importância da experiência
indispensável do uso do pneu radial de rua em competição de monopostos
escola. Atualmente na F-1 o piloto é balizado via rádio do box para ajustar
pela tela do engenheiro.
Por isso
a Formula Ford Kent em 2013 conseguiu se manter viva na Inglaterra
quase cinquenta anos depois de nascer. O piloto necessita de um ano sério
de kart/slick para dominar telemetria e labirinto. Um kart pode simular a
velocidade de 300 quilômetros por hora porque rola ao rés do chão. No
mínimo um ano de Fórmula Ford Kent radial ou nunca mais teremos um piloto
brasileiro na F 1. É no que acredito.
Quando
Chris retornou uma ligação telefônica para o Selwyn, confirmando o
interesse em rever o caso do chassi pendurado, disse-me ele posteriormente
que o Selwyn ficou meio que mudo. Finalmente retrucou: Chris, eu não tive
tempo de te dar detalhes. O chassi tem um empeno diagonal. Eu não
tenho a menor condição de coloca-lo no gabarito porque a estrutura é
similar, mas não é igual ao chassi da serie atual.
Chris
perguntou de quanto era o empeno e o Selwyn disse que não sabia, mas
era de pancada de subida em calçada em Mônaco...
Ele
estimava em torno de uma polegada diagonal. Chris pediu um tempo e que
ligaria de volta.
Pegou o
telefone e me chamou no hotel no dia seguinte cedo. Foi narrando o
assunto com detalhes mais me consultando do que outra coisa, sem muito
entusiasmo. Definitivamente me expondo uma situação onde ele demonstrava o
seu empenho me beneficiar com o que fosse possível para que voltasse para
as pistas. Quando eu lhe disse que fossemos pegar essa "Mula"
que eu achava que dava para dar um jeito, ele é que ficou mudo. Passado um
tempo de silêncio, Chris me disse algo que me tem em inestimável valor:
"If you say so I am not here to say no. Lets go". Se você
assim diz eu não tenho como dizer não. Vamos lá.
Falou o Britânico.
Antonio
olha bravo!
Vinha
essa confiança de "masmorrentas" brigas ocorridas nas pistas onde
resta uma testemunha chamada Antônio Ferreirinha. Chris nunca soube as
vezes que correu o risco de levar uma tamancada do Português no meio da
cara. Mas tivemos alguns pegas sobre o assunto acerto de carro e
performance de motor dignas de um livro. Num destes memoráveis, o Chris me
botou no carro pelas mãos do Antônio e do Peter Hull - saudades desse
Neo Zelândes piloto, jornalista e mecânico - o que ele denominou como
sendo o melhor motor que saiu do dinamômetro e pediu para irmos para
a pista testar.
Ao cabo
de uma dúzia de voltas, já não me ocorre com precisão eu notei um queda
de duzentos giros no final da reta de Brands Hatch Club Circuit que
era um ponto de referencia de piloto, portanto coisa de piloto. Como o
conta giros era do tipo espia da Smith, ao parar no box e o Chris me
perguntar se estava com problemas no carro - ele já queria o recorde da
pista, nada mais do que isso - eu lhe retruquei que não. Informei que o
motor havia perdido duzentos giros na final. Chris ficou pálido e roxo ao
mesmo tempo e de repente explodiu de voz mansa com os olhos injetados e
para os ouvidos de todos à volta me disse em pleno inglês: "como você
seu macaco marron do brasil tem coragem de me dizer que este motor perdeu
duzentos giros?" No que eu lhe disse britanicamente: "Perdeu
duzentos giros e é uma válvula de descarga do terceiro cilindro que está
vazando".
Antonio e
o cabeçote...
Nova
explosão espumante do Chris: "como você pode afirmar isso olhando para
essa porra de carro"? Posso Chris porque na minha terra de macacos eu
não tenho dinamômetro. Eu só posso enfiar o dedo na descarga, enxergar a
cor que me vem ao dedo, colocar a mão sobre cada cabo de vela junto à
porcelana da vela e sentir a temperatura, a que estiver mais fria é a sua
alma. Chris ficou mudo um tempo depois disse vamos levar agora este carro
para a oficina dos motores e o Antônio vai se ferrar para tirar o
motor sozinho. Assim a foto ao lado mostra o dia em que o Chris viu o
querosene vazar do terceiro cilindro do cabeçote de cabeça para baixo
que ele colocou na bancada.
Depois,
parou e pediu para o Pete Hull fechar as janelas e portas. Apagou a luz e
nos convidou para jantar. Aí ninguém acreditou. Ele teve que insistir.
Como o Pete Hull era um gozador nato, Neo Zelandês é uma "figuraço"
por natureza, estranhou o Chris Steel que foi logo lhe dando uns coices a
moda inglesa no que o Pete "emburacou a viola". Um jantar pago
pelo Chris era motivo de uma publicação na revista de esporte motor
da Nova Zelândia onde o Pete rabiscava. Bicho, o inglês era pão
duro! Daí, um chassi torto apenas uma polegada na diagonal não era motivo
de ele Chris a esta altura se preocupar. Tinha que arrumar os
amortecedores. Isso sim ia lhe custar às
lágrimas...
Dois dias
depois o Pete Hull me telefonou da oficina Steel de motores e me
informou que havia rebocado na carreta da empresa desde Colchester a até a
oficina e que o "assunto" estava a minha disposição. Perguntou
quando eu poderia dar presença em Swanley. Disse-me ainda que o Chris
quisesse que eu fosse inscrito para Mallory Park no Domingo - campeonato
Inglês Les Leston - seguinte à semana que estávamos. Tinha que me
inscrever como independente. Era uma quinta-feira e Pete ainda me sugeriu
que desse um pulo na oficina do Stirling Moss onde o meu monoposto
destruído se encontrava e avaliasse as peças que poderiam servir na
montagem do conjunto que ele trouxera de Colchester. Eu entendi a mensagem
do Pete, mas também fiz cara dura e não perguntei mais nada. Tinha chegado
no limite do bolso dele.
Fui com
Antonio e fizemos um levantamento do podia servir na remontagem
do monoposto que a Merlyn emprestara. Dentre as boas coisas, eles haviam
claramente entendido que eu nunca teria um radiador de água/óleo combinado
salvo do acidente em Outon Park onde doze carros foram pelos ares e eu
capotei acredito umas três vezes ponta cabeça. Tudo por um erro de
cronometragem razoavelmente típico nos idos dos tempos. Minha
cronometragem do box me colocava com o segundo tempo. Outros competidores
haviam sofrido o mesmo engano de maneira que a mixagem da largada estava
verdadeiramente perigosa. Mas não havia nada que se pudesse fazer e
muito menos atrasar o expediente do programa de competições. Afinal era a
prática normal classificar pela manhã em vinte minutos e alinhar para competir
na parte da tarde em horário cronômetro. Luiz achava que tinha sido
cronometrado com o primeiro tempo no nosso box e acabou ficando por sorte
com o segundo tempo. O grupo de carros em que se encontrava na largada
passou para o que logo a seguir virou um amontoado de carros logo antes da
Old Hall Corner após os boxes. Foi infernal. Acabei
perdendo temporariamente a visão do olho esquerdo e abri uma brecha enorme
em ambas as mãos diante do reflexo condicionado de levantar os braços para
não ser ejetado apesar do cinto de seis pontos. Virado ao solo na final da
capotagem, o asfalto lixou minhas mão em regra. A gasolina saia do
pescador no pico do Sto. Antônio e se derramava na minha cara, macacão,
capacete enquanto eu me refazia do susto de ver as fagulhas
enormes
do Sto. Antônio raspando o chão. Há dois metros do meu cockpit de
cabeça para baixo a Lianne Engemann gemia com o braço quebrado presa nos
destroços. Nunca vou me esquecer de que quando consegui me desvencilhar do
carro corri para a mureta de madeira e barranco e me sentei em cima. Então
me dei conta do silêncio que reinava nas pistas onde ao redor milhares de
espectadores se encontravam totalmente mudos.
Ao longo
de um tempo breve começamos a ouvir o zunido de abelhas que se transformou
gradualmente no ronco dos motores dos que haviam passado pelo acidente
e o diretor de prova correndo ao centro do asfalto com a
bandeira vermelha, desesperado que alguém passasse do
ponto crítico.
Uma
imagem que ficou para sempre. Depois que a adrenalina se diluiu
e que vem o impacto que pode gerar uma eclampse, fiquei junto com outros
por duas horas até que me liberaram. Chris e minha namorada a Paula na
época me levaram no carro dele para o hotel pensão Trevose em Londres. Uma
viagem de seis horas na época de Chester para Londres. Fui dormindo no banco
de trás e acordei dois dias depois do evento no quarto do hotel recuperado
da vista e com as mãos ardendo.
Um fim de
semana de setenta horas transcorreu em intenso trabalho com
Ferreirinha, Hull e eu montando o que veio a se transformar num monoposto.
Ao cabo do trabalho, quando eu pedi para o Pete sentar no carro para
calibrar a torção do chassi com combustível e carga de rolagem, o Hull me
olhou de cima abaixo e me disse: "você vai mesmo sentar de vez nesse
troço e acabar com sua reputação e carreira"? No que eu lhe respondi:
- a carreira provavelmente já terminou. O sucesso do Emerson ascendendo a
F III com a ajuda do Jim Russell e mais algumas outras vai direcionar
os olhos do Brasil e patrocinadores exclusivamente para ele. O Brasil só
sabe jogar na exclusividade. Não compartilha e não vai para lado algum. É
o complexo de ser "one show man". "Quando terminar esta
temporada, venha passar um tempo comigo no Brasil". E o Pete Hull
veio e conheceu a terrinha e pôde enxergar como jornalista como funciona
isso aqui.
A essa
altura eu me distanciava do Luizinho por força igualmente de sua decisão
em disputar o campeonato Inglês onde já se colocava com brilho. A cada um
sua colher de pau. O campeonato Inglês de Formula Ford Les Leston, não
significava nada para mim. Eu sabia no meu íntimo que eu precisava ser
adotado por uma fábrica como piloto de teste, porque isso era o que valia
na época. Depois tudo viria de forma muito mais efetiva e independente da
forma total da dependência de patrocínio absoluto e direto. Também, não podia
em momento algum esquecer que eu era Carioca. Onde se vira um Carioca
andar de carro? Afinal, automobilismo era em São Paulo onde tudo acontecia
na tradicional fantástica pista de Interlagos.
Naquele
tempo saber acertar um carro não era o procedimento principal de
engenharia. Cabia ao piloto corrigir a engenharia nos detalhes que
resultavam em desempenho efetivo. Na atualidade fica a cargo da
interpretação telemétrica salvo quando um piloto do calibre do Alonso muda
o traçado e destrói a hipotética telemetria. Pneus slick que nada
representam para a indústria automotiva e primordialmente azas e
barbatanas que produzem efeitos que não fazem curva e todo o mundo se
esquece disso, definem aquilo que já de há muito não é um carro de competição
de pista. O monoposto da atualidade é um veículo de competição híbrido no
que tange o conceito de um carro de competição. Se ficassem apenas os
pneus slicks, haveria ampla justificativa porque a
composição
deste produto altamente sofisticado e amplamente desconhecido poderia descontar
o efeito "down force"/ dito efeito solo ou aza invertida. Neste caso
a engenharia subtrairia um enorme dado inconstante da equação desempenho
e segurança, bem como aumentaria de forma exponencial o valor específico
do piloto na concepção fundamental da sua capacidade pessoal e habilidade
esportiva. O maior exemplo na atualidade do efeito negativo dos dados
expostos neste contexto está diretamente relacionado com o desempenho
diferente para não se expressar outra coisa do hepta campeão Michael
Schumaker. Dizem que ficou velho. Schumaker está na idade exata de ser um
candidato a se tornar astronauta. Onde um Barrichello ficou velho? Que
conceito de avaliação nos trás este tipo de julgamento? O INEXPLICÁVEL
e algumas interpretações globais.... que infelizmente pesam.
De fato
um piloto envelhece para esta atividade muito mais cedo do que para
outras atividades. Mas este envelhecimento tem que se correlacionar com
algo um pouco mais tangível do que a afirmação de ficou "velho".
Este esporte está queimando etapas em todos os sentidos e nós estamos
dando força para o inexplicável e idiota. O grande Ayrton Senna ficou
ultra vulnerável na troca que fez entre a Mc Laren e a Williams no seu
tempo final de atuação. Por quê? Porque as alterações feitas pela FIA para
o ano em que o Ayrton iria pilotar a Williams tida como o carro
vencedor indiscutível, aleijava o monoposto especialmente na questão da
retirada da suspensão
ativa. E
não foi somente por este principal aspecto mecânico. Houve outros, mas este foi o
principal somado ao que se segue. A responsabilidade pública que Ayrton
assumiu muito bem impulsionado pela imprensa nacional exponencialmente
convergente no tema do sucesso ou nada. Ninguém é de ferro. Ayrton morreu
seis meses antes, esta é minha opinião de uma forma de morte anunciada
para quem soubesse ler nas entrelinhas dos eventos que se precipitaram de
forma unidirecional e repito: convergente.
Por
exemplo, nos treinos em Interlagos da F-1 no fatídico ano e que
aconteceu justamente antes de Ímola, fui assistir os treinos com o Chico
Lameirão. Caminhamos pela pista portando nossas credenciais e fomos onde
cabia mais assistir, ou seja, para a curva da junção. A curva da junção em
Interlagos apresenta um conjunto de situações exclusivas particularmente
para quem testa para ajustar um monoposto. O motivo técnico dessa
realidade de um trecho que graças a Deus ninguém de fato mexeu se define
em vários pontos. Salvo um amplo alargamento como área de erro ou escape
de pista que de fato abriu as comportas para se engajar em barbeiragens
anteriormente imperdoáveis, o trecho é tecnicamente espetacular, senão
vejamos: a- o trecho em descida saindo do cotovelo e fazendo tomada
cautelosa para se poder abrir o mais cedo possível o acelerador ao máximo
para encher o motor ao ponto de permitir uma troca de marcha, implica em
conhecer muito bem o ponto de frenagem. b - este ponto de frenagem é
profundo e de pico. Nesse ponto você carrega a massa de transferência do
carro toda para frente e no instante que relaxa o freio já exerce
rápida rotação do volante para a esquerda. c - Neste movimento a
cabeça do piloto já conta com um ligeiro sobre esterçar advindo do início
de subida que pode gerar um "bottoming" - bater o fundo do chassi ao
solo - muito propício nesse trecho, ou seja, fim de curso de suspensão
traseira ao se comprimir por retorno anterior da massa da frenagem e
compressão do eixo traseiro devido a novo rumo inverso em ascensão
produzido pela aceleração. O monoposto ataca a subida de um instante para
o outro. Todos os elementos conhecidos nos termos ingleses de movimento do
chassi ocorrem naquele trecho curto, Yawing, Diving e Squating , rotação
axial no centro do carro, mergulho por compressão devido a
subida, compressão devido a mudança de pressão no eixo traseiro. Em
monoposto estes 13 movimentos são drásticos. Em F- 1 não se fala. São
brutais e a previsibilidade do piloto está no pico máximo do possível. Sem
a suspensão ativa Ayrton deu uma rodada naquele ponto, nitidamente sobre o
eixo traseiro que deixou o Chico e eu de cabelo em pé. O Chico ainda se
virou para mim e disse na minha cara a queima roupa: ele vai se matar. Eu
retruquei, porque você acha assim? No qual o Chico me olhou fixamente
e percebendo que eu sabia exatamente o que se dera naquele ponto, sem
hesitação, sacudiu a cabeça e me mandou a merda.
A
suspensão ativa agora ausente somada a outros fatores secundários não
iriam perdoar Ayrton em Ímola ou mais adiante. A pressão do jovem
Shumacker em plena ascensão sob o comando do Briattore era outro problema
considerável, agora com uma Williams muito inferior ao que fora na
temporada passada....
A
esperança era que o triangulo de suspensão não tivesse "rotacionado",
quebrado e entrado por dentro do capacete do incrível campeão. Só do
impacto havia muita esperança. Afinal ele ainda havia trocado três marchas
quando ficou sem...a coluna de direção. Mas isso é outra história.
Quando o
Chris apareceu na segunda à tarde na fábrica, era um sorriso só.
Havia vendido duas dúzias de motores. O Yaetes botara a boca no mundo e o
Schuppen assinava em baixo. Os motores eram o diabo e o teste comprovara
isso. E o que a gente podia esperar mais? Ele queria o carro do Yaetes
voando e voando o carro estava. E o Chris estava feliz.
Sem menos
avisar o Chris se virou para dentro do galpão e se deparou com aquilo -
the thing - como apelidou. Quando se voltou para nós era outra
pessoa. O Antonio logo pressentiu que vinha
porcaria
e saiu do salão para acender um cigarro do lado de fora no pátio. Logo o
Inglês perguntou se eu estava doido e como é que eu teria cara de me
apresentar com aquele carro. Ele entendia que a carroceria do Merlyn
original do MK11A que era integralmente escamoteável pudesse simplesmente
vestir o MK 7 F II. Nem tão pouco imaginara que a carroceria do meu carro
ficara em frangalhos. Finalmente entendemos porque o desespero do Chris. A
pista de Brands Hatch naquela quarta-feira de treinos livres havia sido
alugada pela Cosworth em associação com a Ford Inglaterra para uns ensaios
de motores da F-1. No final das contas essa alocação foi cancelada e o
fato é que não havia dinheiro para se alugar espaço em outra pista mais ou
menos próxima assim como o Chris queria ajudar, mas não despender...
Finalmente ele acabou se estourando e dizendo que não poderia participar
de fiasco, mas que me dava força e que eu podia usar o motor na corrida.
Ele não compareceria. Não podia correr este risco pessoal. Desejava-me boa
sorte. Proibiu o Pete Hull de ir a Mallory portando o macacão Steel.
O Pete era mais duro do que pau Brasil e o Antonio finalmente segurou a
barra toda sozinho com alguma ajuda minha.
Naquela
manhã de Sábado estávamos meio que esfomeados. O raio do dinheiro
do patrocinador Shell-Rhodia-Tergal, a parte que me cabia não havia
chegado. Estávamos bem apertados e a ausência do Steel não ajudava em
nada. Antônio e eu, éramos dois independentes alinhando uma possibilidade.
Um sentimento de solidão reinava com o Antônio resmungando cavernoso que
aquilo era o final. Carioca de merda metido a besta vai aprender
agora a varrer oficina com o Peter Hull, resmungava. Os pneus estão uma
merda fora do regulamento. Não vai passar no
"scruteneering" resmungava. Mas vai dar para fazer o treino e
ver às quantas andam essa "xabironga", dizia eu para o
Português muito mal encarado naquela manhã e com fome. Tínhamos
praticamente dormido ao relento. Antonio não cabia no meu Mini 850cc que
eu puxava a carreta. Foi encostar-se ao trailer de algum piloto. Não
o vira mais aquela noite. Eu pensava nas duzentas e poucas libras que
gastara do meu bolso para botar aquele espantalho de pé e assim mesmo
visivelmente "naufragante" a estibordo. Eu havia compensado o
máximo possível nas molas o aspecto visual, mas o que me interessava era
equalizar o peso diagonal do chassi torto para poder fazer o máximo uso
dos estabilizadores regulados na proporção do empeno do chassi.
Antônio sabia que isso além de difícil só pode ser feito com pelo menos
duas pessoas que conheçam muito bem o assunto num piso nivelado à zero.
Antônio era alto para as proporções de trabalho num monoposto e estava com
as costas em frangalhos da noite mal dormida. De repente deu um chilique e
me interpelou a ir num bar comer alguma coisa e pensar. Pensar e
resmungava. Fiquei olhando para os "olhões" verdes avermelhados
e achei que o Antônio estava com setenta anos. Finalmente entendi que ele
queria que o "Turco" fdp coçasse os bolsos e se entregasse a Edesia
num banquete de "fish & ships"...Fomos a um boteco in Inglês
depois que nos asseguramos que nossa série de treino seria a partir das
14:00 por trinta minutos. Para mim era o suficiente para definir o
comportamento do carro. Antônio havia escalonado a caixa de câmbio
de acordo com o que havíamos usado na vitória anterior naquela pista e o
motor que o Steel nos havia cedido tinha duas corridas e fora revisado. Na
Formula Ford aquilo era considerado bom. O problema era do nosso lado,
calibrar o chassi, acertar a geometria da suspensão, regular a
equivalência das pressões das molas, ajustar corretamente a melhor altura
de chassi ao solo e corrigir milimetricamente a posição da caixa de
direção para ter um Ackermann com mais ou menos 3% de variação de roda a
roda interna para 15 externa a cada 5 graus de convergência. Isso me dava
condição de determinar a convergência ideal que eu determinaria para
aquela pista, temperatura e a crucial oleosidade do asfalto. Esse treino
se dava no Sábado em horário idêntico ao da corrida no Domingo. Em
princípio as condições deveriam se repetir. Antônio me martelava
essa informação a cada meia hora. Ele sabia que eu usava pressão de pneus
completamente diferente da maioria dos pilotos e isso era visível nas
fotos frontais em saída de curva.
A Fórmula
Vê com seu eixo rígido dianteiro e seu sistema crítico do sistema direção baseado
na caixa de setor e sem fim tinha sido uma escola de acerto de carro
imbatível. Nos idos dos anos 66 a 68 eu havia captado um pouco do gênio de
Dr. Porsche no desenho daquele sistema de direção no VW Fusca onde ele
genialmente compensara a recomendação Ackermann de sua época com uma
variação nos pontos de fixação defasada dos terminais de direção no braço
Pittman. Até 22 graus e sem offset positivo a eficiência do sistema era
indiscutível. Passando desse ponto o carro não faz curva e tende a fincar a
frente ao solo e capotar especialmente se o "envenenador"
de suspensão resolver botar camber negativo nas rodas dianteiras. Mas 22
graus de esterço já é pedir saudades de casa antecipadas. Alguma besteira
terá sido feita para exigir uma correção dessa grandeza.
A curva
Sul do final da reta do Autódromo do Rio na época da Formula Vê era
um divisor absoluto entre pilotos e vitórias. A Um e a Dois, embutidas na
velocidade em Interlagos era mais crítica, mas permitia alguma correção. A
curva Sul do Rio era pé a pleno no final do curso do acelerador cravando
146 quilômetros por hora sem mexer o calçado na pressão do acelerador. Era
uma tangência, escorregamento de traseira a mais ou menos 6 a 8 graus e
controle até o cascalho onde começava a meia reta. Andando atrás do
Emerson ou do Moco a um metro de distância, especialmente o Emerson, era
impressionante. Era impressionante ver aquela traseira navegando tal qual
um barco a deriva e retornado ao ponto de prumo. Bem ao final da Sul logo
adiante podia se fazer uma suave correção para não perder giro. Isso tudo
em cima de pneus radiais Cinturato de 4 1/2 polegadas de tala centrado.
Era uma escola. Adiante se revelou um passaporte em muitas pistas
especialmente em Spa-Francorchamps a de apavorantes 14,300 metros. Aliviando
o mínimo o acelerador era ver três carros voarem a sua frente. A Formula
Vê foi um exercício de controle completo imbatível porque era totalmente
deficiente. Tudo era errado naquele monoposto, tudo tinha que
ser improvisado desde a alma do motor até a criação de ajustes próprios ao
modelo de condução do piloto. Dificilmente você conseguia dirigir bem o
monoposto de outro piloto. Você podia andar bem, mas nunca de ponta como
no seu carro. Era dificílimo testar um Formula Vê para melhorá-lo à
condição de outro piloto encontrar satisfação.
Já nos
monopostos Formula Ford e demais da series que conhecemos isso era
possível com muito êxito. No F-Vê, o tipo de suspensão nas curvas,
simplesmente...varia em comprimento o entre eixos externo para o interno
devido ao sistema da suspensão dianteira...
À distância e de barriga quase cheia, os olhos
do Antônio voltaram a brilhar mais e ele até se permitiu comentar que o
"carrito era um pouco bonitinho" olhando de longe. Um comentário
luso onde incluiu "olhando de longe"... Olhando de longe é que
destruiu o elogio, mas isso estava alguns furos acima da cabeça
paramétrica do Português. Cinza não era nem preto nem branco e isso gerava
enorme discussão o tempo todo entre nós dois. Trocávamos nomes
interessantes um ao outro, mas no final nenhum colou. Ficou a imagem de um
tempo quase heroico que lembra um pouco o estado de guerra. Você comenta
mais sobre o tiro que não te acertou. No final das contas, Antônio
era literalmente um segundo piloto dentro do carro tal a vivência e
empenho que dedicou sempre, em todos os detalhes. Antônio Ferreirinha
compartilhava integralmente dores e risos. Era uma segurança ao seu
lado. Especialmente depois daquela pancada em Oulton Park. Mas nunca
deixamos de brigar e muito. E só não o fazemos hoje porque estamos
por enquanto...distante apenas 400 quilômetros, caso contrário...
Antonio e
Ricardo...
Quando
liberaram o acesso ao curral de entrada para a pista Antonio estava de pé
ao lado do carro. Foram dez minutos de espera em que não trocamos uma
palavra. Antonio sabia que eu ia entrar na pista e em três ou quatro
voltas iria parar e lhe passar instruções de acerto do carro.
Na quarta
volta eu entrei nos boxes e parei na altura do boxe do nosso carro. Pedi
para o Antonio um ajuste de estabilizadores e pedi que me colocasse no
quadro somente a diferença do meu tempo para o primeiro colocado de duas
em duas voltas para dar tempo a Paula cronometrar e passar a diferença
para o Antonio publicar.
Ao longo
de aproximadamente vinte voltas eu sabia que podia rodar mais outras
vinte dentro do tempo de treino oficial, mas eu sabia também que estava
chegando ao limite da escultura mínima dos pneus dianteiros. Eu não tinha
nenhuma roda de reseva. Meu tempo estava entre os cinco melhores e o
Antonio dava cambalhotas do box. Eu senti o cheiro de uma luta merecida.
Resolvi parar no box terminar o meu treino. Precisava apenas sentir
imediatamente a temperatura dos pneus e rolar os dedos sem luvas sobre a
borracha. Coisas que um piloto brasileiro tinha que saber fazer e entender o
que se passava. Não tínhamos pirômetro. Eles já existiam, mas nas equipes
e universos acima do meu. Tudo dependia agora da minha leitura da borracha
dos pneus. Antônio sabia disso e sabia que dessa leitura nos teríamos
algumas hora de trabalho pelo resto do dia.
Pela
manhã de domingo, enquanto nos ajustávamos no box, tem sempre, mas
sempre algo mais a fazer, havíamos recebido o número designado do carro e
tinha que trocar o numero cinco que estava afixado na carroceria
emprestada, por outro. Nisto chegaram o Carlos Alberto Scorzzelli e o
Marcos Sacoman. O primeiro era o piloto de Brasília que havia trazido para
o Rio de Janeiro o primeiro Formula Ford da Inglaterra para se
divertir uma vez que não havia a categoria no Brasil. Naquela oportunidade
ele convidara muitos pilotos para compartilhar o prazer de dirigir um
monoposto FIA. Foi uma festa geral no Autódromo do Rio e todos ficaram
impressionados com a potência do motor 1600 Cortina. O monoposto era pelo
menos trinta por cento mais veloz e eficiente em todos os aspectos do que
o Formula Vê. No final dos treinos ele me chamou de lado e
me disse:
"cara, eu não ví ninguém sentar e andar de primeira nesse carro do jeito
que você fez. Você precisa arrumar uma forma de ir para a Inglaterra
porque você vai se dar bem por la". Foi uma mensagem de força. Hoje
estava ele lá enrolado no seu casacão me perguntando: - perdeu mesmo o
carro novo la em Oulton Park?. Informei que havia de fato perdido, mas que
pedaços dele estavam incorporando a esse carro que eu treinei. Ficamos num
dialogo de perguntas se eu tinha alguma possibilidade e como havia surgido
esse carro no meio de toda a história. O Marcos Sacoman ficou ouvindo com
aquele sorrisinho indecifrável, ele que é reputado e de fato conhece muito
sobre automóveis quer seja de competição ou um sedan antigo, o homem é
fera com uma vida dedicada ao assunto. Recebi muito abraços e desejos de
boa sorte e promessa de presença bem como torcendo pelo sucesso. Era a
minha presença de torcida brasileira naquele fim de semana.
Quando
chegou o nosso horário de apresentação para a inspeção, Antonio e eu
rolamos o carro até o galpão de lona de inspeção. Os quatro inspetores
examinaram o carro e finalmente um deles informou que os pneus traseiros
estavam com a escultura abaixo da "milimetragem" permitida e que
fossemos ao stand da Firestone comprar dois pneus. Retornado ao box eu me
virei para o Antonio e lhe disse e agora que fazemos. O Antonio me disse,
deixa-me dar uma volta e ver se conseguimos uma solução. Passado algum
tempo ele retorna rolando um par de pneus montados em rodas. Perguntei
qual era a jogada e ele me disse que não havia nenhuma. O Ed Patrick
estava atrás de nós e se inteirou do assunto e ao passar pelo box dele me
perguntou se eu estava precisando de pneus. Confirmei e ele me disse pode
levar esse par e depois da corrida me devolve.
O Antonio
lhe perguntou: mas você não está inscrito nessa corrida? No que o
Ed respondeu: estou nesta e nas duas da turista e de GT.
- E ai
como é que fica?
Ed
respondeu: - Não fica cara. Esse sujeito não pode ficar fora da corrida
depois de ter ficado entre os cinco melhores tempos ontem a tarde com
essa tranqueira. Afinal de onde veio esse carro? Esse carro
é homologado senão não teria passado na inspeção. Eu vi a placa de
chassi. É um Merlyn velho?
Bota
velho nisso - disse-lhe Antonio, mas tem uns cacos do MK11A destruído em
Oulton Park. Parece que é um MK7 II 63.
- O da
parede lá do Selwyn?
- Acho
que sim.
- Porra,
e ele rodou entre os cinco? O Selwyn tá louco. Já imaginou? O carro é de
1963, tem cinco anos de uso cara e é o modelo dos estabilizadores
invertidos? Como é que passou o cano de descarga pelos estabilizadores?
- Você
não notou, mas conseguimos um par dos MK11A e eu adaptei.
Bem, boa
sorte mesmo. Essa eu quero assistir mesmo correndo....disse rindo.
Pois é:
Diga a palavra mágica na Inglaterra. - HELP!
Meses
antes, naquela tarde em Snetterton a pista estava vazia. Stirling Moss
tinha conseguido um favor do Jim Russell para que os dois pilotos novos da
SMART - Stirling Moss Automobile Racing Team passassem o dia treinando.
Era a primeira vez que iriam andar com os Carros o Luiz Pereira Bueno e
Ricardo Achcar. Um dia de primavera razoavelmente quente, estávamos o Luiz
e eu a rodar uns tempos razoáveis melhorando a cada acerto que fazíamos
nos carro de comum acordo. Nas interpretações mecânicas eu e nas
regulagens eu tinha mais experiência do que o Luiz em monopostos. Mas o
Luiz era imperativamente intuitivo. Se você soubesse interpretar o que ele
informava era informação criteriosa e segura. Luiz media palavras. Nossos
corpos tinham hábitos de assentos de competição diferentes, mas juntos
somávamos muito. Não tínhamos o Antônio conosco ainda. Não o havíamos
importado. O Luiz tinha suas dúvidas advindas de sua longa estada na
equipe Willys e era profundamente desconfiado. Mal ou bem, o Antonio era
cria desse Carioca e isso era uma novidade um tanto quanto duvidosa para a
cabecinha do "Peroba". De fato, ao longo do tempo e muito tranco na
equipe, o próprio Antonio reconheceu com o seu total empenho pessoal para
ambos os pilotos, o grande valor profissional do Luiz Pereira Bueno, um
tremendo piloto que muito pouca gente sabe o quanto arrojado era porque
simplesmente ganhava as corridas junto com Bird Clemente e já se haviam
para sempre tornado lendas autênticas do esporte motor.
Meses
adiante outra vez, eu ainda assistiria o maior duelo de dentro da
pista competindo em monoposto que poderia um dia imaginar. Em Brands Hatch
naquela tarde de pista repleta e circuito Gran Prix eu havia feito o
segundo tempo e Luiz era Pole Position. Collin Vanderwell, neto do potente
Lord Vanwall, era a nova fera que surgira tendo adquirido o carro
imbatível de Emerson Fittipaldi que já pulara para a F-III. Na largada eu
pulei para frente e realmente abri a frente que queria. Adiante entre
a terceira e quarta volta eu percebi que perdia para o Luiz na Stirling
Bend . Ele conseguia fazer a Strling Bend mais rápido do que eu conseguia
e eu me recuperava na Paddock Bend. Acreditei que iria melhorar na
Stirling prestando muita atenção e ganharia a prova. Na terceira volta
chegando na Paddock Bend e trocando de marchas percebi um
ligeiro
travamento no motor tipo freio motor não solicitado. Minha experiência me
dizia que o mancal central do bloco rachara e eu estava perdendo pressão
por vibração do virabrequim na altura dos seis mil giros para seis mil e
duzentos, limite do motor.
Brands
Hatch - Ricardo, Luiz,Colin...
O motor Cortina tinha um pé de fracasso de engenharia com um virabrequim suportados por três mancais, ambas as castanhas em ferro nodular. Isso era um fator limitador delicado na limitação de giros. De repente, sem mais nem menos os dois me passaram no bacião onde o Jo Siffert perderia a vida anos depois. Era um ponto menos crítico, mas parecido com a junção de Interlagos em termos de transferências de massas. Ao me passarem o Colin emparelhou com o Luiz e eu assisti durante oito voltas, na parte do circuito Gran Prix o que, se tivesse acontecido na área do circuito Club promoveria a ambos a desclassificação. La dentro da floresta escondida e mortal do circuito GP, ambos se bateram roda com roda tirando lascas de ferro e centelhas que chegavam dez metros atrás no meu carro. Eu me dizia, vou ganhar essa corrida e acompanhar um enterro. Foi um momento de minutos indescritíveis de testosterona no pico da morte.
O motor Cortina tinha um pé de fracasso de engenharia com um virabrequim suportados por três mancais, ambas as castanhas em ferro nodular. Isso era um fator limitador delicado na limitação de giros. De repente, sem mais nem menos os dois me passaram no bacião onde o Jo Siffert perderia a vida anos depois. Era um ponto menos crítico, mas parecido com a junção de Interlagos em termos de transferências de massas. Ao me passarem o Colin emparelhou com o Luiz e eu assisti durante oito voltas, na parte do circuito Gran Prix o que, se tivesse acontecido na área do circuito Club promoveria a ambos a desclassificação. La dentro da floresta escondida e mortal do circuito GP, ambos se bateram roda com roda tirando lascas de ferro e centelhas que chegavam dez metros atrás no meu carro. Eu me dizia, vou ganhar essa corrida e acompanhar um enterro. Foi um momento de minutos indescritíveis de testosterona no pico da morte.
Finalmente
como achei que não se matariam se batendo, eu me liberei mesmo com menos
condições de motor, para tentar me encaixar num segundo lugar.
Faltando menos de duas voltas eu aproveitei o embate acirrado e quando o
Collin abriu para a esquerda em Pilgrim's Drop para ganhar velocidade na
curta descida antes de se ajustar na perigosa tomada a direita em subida
de media alta Hawtohorn Bend, Luiz abriu junto e rápido para fazer
igualmente uma tomada...ninguém iria passa-lo por fora...naquela curva. O
Collin estava preparando a desatenção do Luiz no retrovisor para dar o
golpe mais adiante. Acontece que o Luiz abriu para tomada junto com ele
e...deu um pico de freio um tostão mais prolongado e a água quente do
radiador do Collin se enterrou na caixa Hewland do Luiz e água e vapor
espirraram e embaçou minha viseira ao que eu tomei o segundo lugar...e o
Peroba ganhou a prova.
Falem-me
de corridas de automóveis....
O Antônio
horas antes pegou o mecânico do Collin no nosso box lambuzando os
meus discos de freio dianteiros com óleo de freio. Brilhavam que era uma
beleza...Collin era F.
De volta
a Snertterton estávamos rodando livremente na pista e aos pouco eu
fui parando e ajustando pressão de molas, amortecedores e mais detalhes e
íamos Luizinho e eu trocando de carro e trocando ideias. Estávamos ambos
tentando tirar o máximo das máquinas e buscando adiante tirar um tempo
contra o outro. E assim fomos suando o capacete e o macacão, parando a
cada meia hora, reabastecendo e ripando as máquinas. La pelas tantas da
tarde vimos, la pelo no inicio das carreiras de box, o Emerson apareceu
com seu formula laranja Merlyn e dentro de algum tempo começamos a cruzar
os bigodes na pista. Um longo tempo se passou e Luiz e eu estávamos muito
melhor do que o Emerson volta após volta. Um dado momento o Rato parou
quando nos viu parados no box ajustando alguma coisa e veio ao nosso
encontro. - e aí cara, como é que estão as coisas? Perguntou o futuro
campeão do mundo.
- Estamos
indo bem, estamos ajustando a máquina.
- É cara,
eu não consigo acompanhar vocês em saída de curva. Vocês dois dão
uma estilingada e se mandam. Qual é o segredo?
Quem
conhece o Luiz já sabe que ele fez a tromba e ficou tão calado como educado
no seu silêncio total. Aí o metido aqui perguntou: - Mas o que você sente
no carro. O que você sente, sai de frente, sai de traseira, em curva de
alta, na saída da curva, como é que é?
Emerson
retrucou:- Cara eu sinto tudo bem normal na máquina. Não sei o que dizer.
Só vi que vocês disparam nas saídas das curvas, na acelerada especialmente
saída curva no final da reta.
Aí o
metido aqui devolveu: - Traz o carro para junto de nós e vamos olhar
na comparação.
O Rato
caminhou até o seu box solitário e trouxe o carro laranja até nós.
Passamos
a examinar o carro juntos. Emerson é reconhecidamente um acertador
de carros com raras qualidades. Examinando no "olho" toda a
periferia do carro eu podia assegurar que estava muito bem
alinhado. Recapitulando a expressão "saída de curva
na acelerada" do Rato eu me dei conta de que ele estava me
dizendo que "destracionava" ou sentia ausência de aderência. Um
desses dois fatores era o que estava em jogo especialmente no caso dele que
era um piloto estrela. Não era possível pensar outra coisa salvo uma
rachadura no chassi. Isso se confirmava porque era contra o Luiz ou eu
nas mesmas condições disparava a frente dele.
Foi
quando então lhe perguntei: - Quanto de pressão você está usando nos
pneus? O Rato devolveu:- A pressão que todo mundo usa na Formula
Ford. 32 libras nas quatro rodas.
Disse-lhe eu: - Te dá uma tremenda precisão instantânea no volante, certo?
-
Absoluto, disse o Rato. Uma faca nas curvas. Fazia referência ao F-Vê com
seus Cinturatos que pareciam bochechas de um lado para o outro no asfalto.
Então eu
disse ao Emerson,: - Faz o seguinte. Coloca 22 libras na traseira e 18 libras
na frente.
Emerson
olhou para mim, ficou parado, fixo. A cara suada e o capacete a mão.
Tomou tempo. Finalmente me disse.
-Ricardo,
eu vou fazer isso porque é você que está me dizendo.
Em
seguida, calibrou a receita nos pneus, colocou o capacete, ajustou, sentou no
carro se auto colocou o cinto de seis pontos e os ajustou. Tudo sozinho.
Não precisava de ajuda. Já tinha o total controle.
E, se
foi. O Luizinho e eu, naquele mesmo dia e treino, nunca mais vimos o furo da
bala.
Que
piloto e que motor...
Luiz
nunca me perdoou.
Eu acho
que de fato nunca entendi a regra do jogo.
Naquele
Domingo o programa anunciava a nova inspeção e classificação - 20 minutos
- para a categoria Formula Ford competindo no Les Leston Championship para
as 11:00 horas da manhã.
Passamos
bem pela inspeção com o Ed Patrick sacaneando o Antonio se ele
precisava também de um volante. Depois, olhando mais para o carro
identificou seus pneus mais raiados e novos dos que os meus remanescentes
na traseira, colocados no trem dianteiro do carro. Ed ainda perguntou para
o Antonio se não havia algum engano naquele ajuste, no que o Antonio com
dificuldade de entrar em detalhes apontou para mim. Nisso o Ed concordou
levantando os braços.
Fomos
direcionados para o "curral" de entrada na pista onde ficamos
aguardando para todos entrarem juntos. Uma vez liberados entrei na
pista e sem esperar mais nada fiz cinco voltas e cravei o terceiro tempo
da classificação. Luiz Pereira Bueno se classificou no segundo lugar para
a
satisfação da equipe do Stirling Moss a S.M.A.R.T.
Dada a
largada eu pulei para a primeira posição na segunda volta e despenquei até
o final ganhando a prova. Creio que o Luiz ficou em terceiro nessa prova e
já não me recordo mais quem foi segundo e os demais.
Meu
segredo foi estabilizar a frente do carro de tal maneira que deslizasse sobre
os pneus mais raiados com os amortecedores ajustados para macio de maneira
a ganhar o máximo de aderência "com aviso" de escape. Quando
desse sinal de escorregar eu teria o trem traseiro muito bem estabilizado
e duro em relação a frente e poderia "tesourar" o volante
buscando um traçado mais amplo e com tangências mais afastadas da corda da
curva mas com aceleração plena mais constante. Ganhei velocidade para
aquela combinação, naquela pista, em pontos específicos, temperatura e
piso. Recentemente observei o Alonso fazer uma mudança de traçado
relacionada com uma troca de pneus e valores de reação tão evidente que
fiquei impressionado com a capacidade de interpretar uma modificação desta
natureza num F-1 com pneus tão críticos e instáveis, com aerodinâmica
impossível de interpretar porque vento não faz curva... e de, sobretudo
sem ter informação direta do carro para o piloto que literalmente
não "sente" nada. Dependendo de sensores, telemetria,
interpretações de engenheiros que não são pilotos como um Chapman foi em
sua época ou o Tri Brabham. Aliás, este é um detalhe impressionante no
formato de pilotagem do Alonso. Vocês já repararam que a engenharia do
Alonso fala pouco? Informa mais do que comanda?
Lembro-me
de minha torcida nacional local ser explosiva naquele dia. Mas
muitos ingleses presentes foram mais do que cordiais e havia um clima de
gozo relacionado ao carro. Foi uma corrida a não se esquecer, e eu não sei
onde Antonio e eu encontramos soluções, vontade e até mesmo um excesso de
ousadia diante de tanta adversidade que nos acompanhava desde o acidente
em Oulton Park.
Muita
coisa iria ainda rolar e algumas impagáveis como o teste de desenvolvimento
da Lola T 210 com o presidente Erick Broadley na pista de Brands Hatch
alguns meses depois.
Mas...isso
é uma outra história.
Enfim,
tudo isso para contar esse final que em minha opinião vale
um filme comédia.
Terça-feira
seguindo o fim de semana heroico me telefona o Chris Steel
para o hotel Trevose.
- Onde
você anda?
- Ainda
de porre, porque?
-Tem
algum teste na quarta?
-Quarta-feira era o dia que o John Webb estipulava para treinos livres ou testes com pagamento mínimo de uso da pista em Brands Hatch. Já era tradicional.
-Quarta-feira era o dia que o John Webb estipulava para treinos livres ou testes com pagamento mínimo de uso da pista em Brands Hatch. Já era tradicional.
- Que
teste nada! O Selwyn Hayward está em pânico.
- Como em
Pânico? O carro está na tua oficina. Qual o problema?
- Você
foi se meter a ganhar a corrida!
- Como é
que é?
-Você
ganhou a porra da corrida!
Ai eu
fiquei meio que mudo. Inglês às vezes era uma língua difícil de acompanhar.
Retruquei:
- Não. Eu ganhei a corrida. Cheguei em primeiro lugar.
- Mas
porra está claro que ganhou. Já detonou esse assunto na associação
dos fofoqueiros da imprensa da fofoca.
- Mas e
então?
- Mas não
era.
-Mas não
era o que?
-Porra
não podia ganhar. Era para dar uma presença. Aparecer. Não ficar
"morto". Será que você não entende?
Realmente
eu tinha dificuldade em entender.
Anos mais
tarde, quando virei construtor de carros de corrida e com o
exponencial evento da Formula Super Vê profissionalmente calçada pela
Volkswagen do Brasil durante a presidência do inesquecível Wolfgang Sauer,
lembrando este assunto bem ainda a flor da pele, recordo de uma fato muito
interessante.
A Polar
Racing Enterprises estava no auge de suas vitórias na Super Vê e
evidentemente muitos pilotos trocavam os carros por um Polar Super Vê. Era
o carro que melhor assegurava vitórias. Lá em Maria da Graça, no Rio de
Janeiro, onde ficava a fábrica nos seus anos mais importantes, um dia eu
me virei para o Ronaldo Rossi que era o meu sócio na empresa e para o
Chico Lameirão que era a viga que completava e lhes disse.
-
Pessoal, vamos fazer outro carro nesse galpão que está para alugar aí em
frente?
Estabeleceu-se
um profundo silêncio na sala de projeto.
O Marcos
Carbone que era o projetista enterrou a cabeça na prancheta e se fundiu
com ela. O Rossi começou a sacudir os braços e as pernas, ficava sempre de
pé da altura dos seus 1,92 centímetros que nem vara de pesca trepidando. O
Chico, bem Português, entrou em transe, suas meninges interpretavam
"coisas" que só o Chico sabe enxergar e não saia uma palavra da
boca.
Fomos
todos salvos pelo Ed Moina.
Ed Moina
é um capítulo a parte na minha vida. Uruguaio de nascença tinha um senso
de humor e um vigor na caneta ao desenhar que fazia dele um ser
dimensionalmente a parte. Era o computador da época... Era uma criatura
universal. Via tudo cor de rosa, ou colocava tudo na cor de
rosas. Tinha um senso de humor que transcendia anedota. Era
fulminantemente interpretativo por natureza. O Buggy Terral era desenho
dele. A Esquadrilha da Fumaça da FAB portava as cores e design do Ed
Moina.
Em trinta
segundos rabiscou numa folha de desenho um cavalo cavalgado por
um cavaleiro em três direções. Levantou a folha no meio da sala de
projetos e com seu sotaque marcante, expondo a obra e disse:
-
"Pronto, monto em su brioso corcel e se partiu em todas las
direcciones".
Foi
risada geral, mas...Creio que naquele dia e hora foi o momento na minha vida
em que eu mais me encontrei. Nunca esqueci as palavras jocosas do Ed
Moina, mas também nunca pude deixar de enxergar uma verdade completa
naquela sua interpretação. Essa marca tem tanta dinâmica quanto ...peso. A
vida me contou.
Fato é
que o Chico logo se recuperou e embarcou na ideia. O Rossi era mais difícil,
mais pragmático e dizem que isso é ser mais realista. Acabamos de certa
forma contribuindo para liquidar a categoria. Ganhamos tudo. Isso não é
bom para o esporte motor. Tipo monomarca. MORTAL.
Voltando
ao telefone púbico da pensão Hotel Trevose... me reportei ao pânico
daquele telefonema que terminou mais ou menos da seguinte forma.
- Olha -
disse Chris - O homem quer o que é parte dele desse carro maldito la
em Colchester ontem.
- Mas
porque esse pânico?
- Cara, o
homem tem uma produção de 40 carros mês e você arruma um
jeito desconcertante de ganhar uma prova com um carro velho de cinco anos,
capenga e com inscrição independente no meio de um campeonato Inglês?
- Mas o
que você realmente esperava?
-
Realmente, sobretudo esperava que você nunca ganhasse a prova.
- Mas
cara: ganhei com o seu motor!
- Cala
essa sua boca, homem. Eu tenho uma produção contratada de fornecimento
de motores para a fábrica dele há mais de três anos! Você não entende? Já
imaginou acharem que um motor Steel correu fora do regulamento, por
exemplo?
De fato
levei tempo para entender toda a situação.
Afinal,
um carro parcial velho de cinco anos. Empenado. Montado por um Português
e um Brasileiro no fundo de uma oficina, usando um motor em bom estado
usado, com pneus deficientes e sem treino algum de pista para ajustes, era
uma caso razoavelmente singular.
O que me
escapava e que eu viria entender alguns anos depois na pele de construtor é
o que se passa no interpretativo da imprensa, chefes de equipe, pilotos,
mecânicos, patrocinadores. Passam-se interpretações que nada tem a ver com o
projeto de um carro de corridas e que este pode cair em desuso e
desqualificação junto a patrocinadores numa ocorrência como essa, que para
mim, foi fruto de grande felicidade.
Finalmente:
- Pelo
amor de Deus, se manda para cá com o Antônio e desmonta esse troço que o
Pete vai levar amanhã à tarde sem falta para Colchester.
O homem
está em pânico e quer pendurar o chassi na parede o mais rápido possível.
Esse
carro que nunca correu em Mallory Park em 1969. Está claro? Nunca correu.
Esse carro. Está claro? E já devolveu as rodas do Ed Patrick? Foi ele que
botou a boca no telefone às gargalhadas às oito da manhã para o Selwyn.
Você imagina isso?
-
Claríssimo, respondi, botando a viola no saco.
O Antonio
teve convulsões. Esperneava com razão. Metade do "lucro" era dele.
Levou muito tempo para entender. Muito. O Chris correu sérios riscos na
época.
Menos
esbaforido e acalmado com minha resposta, Chris retornou: -
Umbelievable! How could you do this? (como pode fazer isso?).
- Pude
fazer com ajuda do Chris Steel, Peter Hull, Antonio Ferreirinha, Ed Patrick,
Carlos Alberto Scorzelli, Marcos Sacoman e finalmente, que Deus o tenha, o
grande Selwyn Hayward cujos carros brilham ainda hoje sem previsão de ser
vencido pelo tempo.
Mas que
foi hilário isso foi!
A melhor
corrida, gente: nunca é.
O que é, é o micro universo por aonde a equipe,
os agregados, os torcedores, o cheiro da borracha, gasolina verde, o
cachorro quente e... a ilusão da vitória definitiva que nunca chega. A
Melhor Corrida, nunca chega. Só chega à categoria fúnebre da monomarca
aonde salvo o marketing do fabricante, ninguém vai para lado algum, que
não faz história, não deixa saudades e cimenta de maneira
constrangedora o sentido de esquecimento. Pior do que página virada é
a página em branco. Como competir na real nestas condições em busca da
grande acalentadora ilusão, a Melhor Corrida ?
A Mola
mestra que nos leva ao desafio de competir. Selwyn Hayward MK 7 F II 63/64
que foi pilotado por Teddy Pillete...
Ricardo
Achcar
Do fundo
de um baú sem fim...
Março
2013
Fotos:
1- Abrindo frente sobre o Emerson Fittipladi em 1970, Torneio internacional BUA - Rio de Janeiro, Lola T210 X Lotus FF /
1- Abrindo frente sobre o Emerson Fittipladi em 1970, Torneio internacional BUA - Rio de Janeiro, Lola T210 X Lotus FF /
2 - Chris
Steel e Vitória em Mallory Park, campeonato Ingles -/
3- Selwyn, jovem na Merlyn /
4- Fábrica da Merlyn na ação que seria a Polar um dia....qual fumaça num Brasil que sempre
3- Selwyn, jovem na Merlyn /
4- Fábrica da Merlyn na ação que seria a Polar um dia....qual fumaça num Brasil que sempre
tudo se
evapora /
5 - Oficinas do Chris Steele e quebra pau /
6 -Perda do Merlyn MK11A em Oulton Park /
5 - Oficinas do Chris Steele e quebra pau /
6 -Perda do Merlyn MK11A em Oulton Park /
7- A Mula
no sábado....e depois no curral para classificação/
8 - A Mula tomando pau na inspeção.../
9 - O Dia do Duelo narrado de Brands Hatch, eu largo e tomo a ponta , Luiz em 3º e Collin em 4º / 10 - Snetterton dia livre de treino / 11 - Alinhado para partida com Antonio ao lado...envergado ao solo /
12 -A caminho das nuvens....bem próximo do céu dos pilotos./
13 - Selwyn Haward, muito obrigado.
8 - A Mula tomando pau na inspeção.../
9 - O Dia do Duelo narrado de Brands Hatch, eu largo e tomo a ponta , Luiz em 3º e Collin em 4º / 10 - Snetterton dia livre de treino / 11 - Alinhado para partida com Antonio ao lado...envergado ao solo /
12 -A caminho das nuvens....bem próximo do céu dos pilotos./
13 - Selwyn Haward, muito obrigado.
2012 no
encontro do Julio Caio
Um comentário:
Ótimo Joel!
Um abração
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