segunda-feira, 26 de maio de 2008

PILOTANDO O FORD GT 40 POR SIDNEY CARDOSO



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Joel e Marcio /

Costumo dizer que a sensação é um sentimento que parece que foi feito para ser sentido, é difícil ser traduzido em palavras, mas vou me esforçar para tentar saciar a curiosidade de vocês. Compreendo perfeitamente, se não tivesse guiado este carro e surgisse a oportunidade de perguntar a quem fez, com certeza também iria querer saber.

Por falar em oportunidade, hoje ouvi um pensamento muito legal: infeliz é aquele que reclama do barulho quando a oportunidade bate à sua porta.

Vamos lá: imagine-se em uma situação que você desejou ardentemente alguma coisa. Imaginou?
Esse era o sentimento que estava dentro de mim contando os dias para ele chegar.

Agora imagine a satisfação ao vê-lo desembargar do navio como neste link: http://www.youtube.com/watch?v=Y9tUcmUqU9s

O tempo às vezes nos faz esquecer alguns detalhes, estava filmando e o fotógrafo "Estrela" fotografando, me enganei e no blig do Gomes havia dito que o "Estrela" havia feito a filmagem. Por esses dias achei vários slides feitos pelo "Estrela" dessa chegada e estou lá de máquina em punho filmando.

O engraçado é que tinha que ficar olhando pela lente da câmera e com uma vontade danada de vê-lo ao natural. Acabei fazendo isso, não fiquei filmando o tempo todo, mas me lembro que não queria perder sua descida e naquele instante filmei tudo.

Quando ele chegou ao solo pude finalmente vê-lo sem nenhuma limitação. Lembro-me que toquei nele com carinho como se fosse um ser vivente.

Bem, mas vamos à tocada, primeiro uma surpresa, o ronco dele era possante, mas nunca havia visto uma cabine de piloto com tanta isolação, de modo que lá dentro o som era baixo e soava meio apitado.

Como verdadeiro puro-sangue ele tinha que ser tratado com carinho, devido a isso há no painel, dentre muitos medidores, um que marca a pressão do óleo. Até aí nada, não é? Errado, pois o marcador da pressão de óleo dele tinha 4 subdivisões. Neste tivemos que colocar várias fitas aderentes.

Ele veio com um manual com várias recomendações, exemplo: ao se ligar o motor tinha que esquentá-lo devagar para que a pressão do óleo não ultrapassasse 100 libras, caso isso acontecesse estouraria o filtro de óleo.

Só após chegar a determinada temperatura e certa pressão de óleo, que não me lembro mais qual, podia-se sair com ele, mesmo assim andando com giros baixos (aí uma das marcas).

Depois ia subindo os giros devagar até chegar a outra temperatura e outra pressão de óleo (outra marca).

Bem vamos resumir: tinha sempre duas marcas (mínima e máxima) para frio e para quente nas curvas e nas retas.

Depois de estar aquecido e você pisar no fundo é que vinha a indescritível sensação dos seus 420cavalos no motor, pois ele jogava vigorosamente sua cabeça e corpo pra trás colando ao banco em todas as marchas e ouvia seu delicioso assovio, (depois da batida de biela nos 1000 Kms da Guanabara aproveitamos e trocamos o cabeçote e comando por outros mais evoluídos, com isso o motor passou de 400 Hp para 420 HP).

Para vocês poderem sentir melhor (imagino que em seus lugares estaria querendo isso) e para não ficar longo vou descrever apenas a chegada à curva Sul, final do retão do Autódromo do Rio, no traçado antigo, pois foi nesse que o pilotei.

Você chega ao ponto de frenagem a 274 km, aplica certo esforço no pedal, fazendo o punta-taco, ou seja, freando com a ponta do pé e acelerando com o calcanhar para manter os giros altos, reduzindo de 5ª para 4ª e daí para 3ª, a curva passa rápida e logo após sua tangente a aceleração torna-se forte e sente-se a traseira do GT 40 abaixar-se com o salto que ele dá para a frente. (Achei um dos slides em que flagra esse instante só que na saída da curva Norte).

Ainda na saída da curva Sul joga-se a quarta de novo e logo chega a próxima curva a chamada Entrada do Miolo, frea-se novamente, usando o punta-taco, reduzindo para 3ª, idem pra 2ª.

Bem, vamos aos pontos positivos e negativos.
Pontos negativos:
1 – Pedal do freio um pouco duro.

2 – Devido a cabine ter estrutura de aço para proteção do piloto era um pouco pesado para carro de corrida, pesava 1.097Kg.

3 – A visão traseira pelo retrovisor interno não era boa, a janela de trás era pequena e os canecos largos dos carburadores de duplo corpo Weber 48 impediam que fosse melhor.

3 – Quando ele tombava muito para um lado dentro de uma curva o volante dava um tranco querendo girar para o outro lado. A barra estabilizadora do nosso veio com excesso de dureza (só fomos detectar que era devido a isso muito tempo depois). Em conseqüência tínhamos que ficar limitado a ele.

Quando finalmente deduzi que era isso queria tirá-la, pois gosto de guiar no limite imposto por mim, não do carro, mas justamente por ele ser um mito a maioria achava que se ele havia vindo assim de fábrica não devíamos mexer.

Uma curiosidade: soube há coisa de três meses atrás pelo Ricardo Achcar, que tem larga experiência em construir carros vencedores e é expert em suspensão, que havia um jeito de amolecê-la sem que fosse necessário retirá-la.

Pontos positivos:

1 – Os pedais têm regulagem, de modo que fica fácil ajustá-los para se fazer com bastante conforto o punta-taco.

2 – Ele foi tão bem projetado que no final da reta a 274 km não ziguezagueava. A gente sentia mais segurança que num Fusca a 120km.

3 – Bancos super anatômicos nos segurando perfeitamente nas altas velocidades das curvas.

4 – Ainda sobre os bancos, todos GT 40 têm os bancos produzidos com lonas e com grande quantidade de furos feitos com ilhoses de alumínio que permite excelente refrigeração.

5 – Excelente visibilidade frontal, (para melhorar a má visibilidade traseira inserimos de cada lado em cima dos pára-choques dianteiros uma torre toda furada - para diminuir peso e passar melhor o ar - embora não fosse muito usado porque era difícil vir outro carro com condições de ultrapassá-lo).

6 – Todos eles têm na frente duas tomadas de ar em forma de dois pequenos triângulos que desembocam em duas grandes saídas, uma em cada lateral do painel, que proporcionam excelente ventilação interna e com regulagem da direção do ar.

7 – Eles possuem dois tanques de combustível, o que fica embaixo do banco do piloto tem capacidade para 75 kg – para compensar o peso do piloto - do outro lado com 95 kg. O interessante é que quando um deles está chegando ao final há um instrumento no painel que nos indica que devemos esticar o braço e girar uma chave que fica ao lado do banco do carona. O melhor disso é que esta manobra é feita sem que o motor chegue a ratear por falta de combustível.

8 – Ao pisar no acelerador a resposta da potência de seu motor é tão rápida que transmite uma sensação de prazer que é difícil de ser traduzida em palavras, creio que somente vivenciando esta gostosa sensação.

Bem, espero ter saciado seus desejos, descrevi uma curva pra não ficar longo e revelei algumas de suas características.

Faço isso com prazer, porque, como disse no início, se não o tivesse guiado faria igualzinho a vocês se me aparecesse a oportunidade de perguntar a quem o guiou, o que, creio, não é muito comum encontrar.

Nota (Joel)- Um depoimento único e raro, porque hoje em dia seria muito complicado ter um depoimento assim com pilotos da Gt3 que pilotam o novo Ford GT 40.


Postado por Sidney Cardoso no blog SPORT PROTÓTIPOS em 26 de Maio de 2008 00:17

7 comentários:

Anônimo disse...

O Sr. Sidney Cardoso
Não sei se aindas se lembra de mim.
Uma vez falei com o Sr. no site do Sr. Maurício Morais que ia assistir as corridas e leventava o basculante de meu caminhão do lado de fora do autrodomo lá do alto via a pista toda sem pagar ingresso.
Vi este GTzão correndo neste autodromo quando o bichão dava aquele pulo parecia uma fera querendo dar o bote.
Manoel Pereira

Mestre Joca disse...

Só para ilustrar o excelente relato do Sidney Cardoso, o chassi do GT-40 era o #1083 e consta que era um dos chassis reservas da John Wyer Automotive em Le Mans, 1968.
A regulagem da tal barra estabilizadora que o Sidney reporta era a responsável no início pelo comportamento meio errático da traseira do carro na reta de Mulsanne em Le Mans. Não era de estranhar que desse trabalho aqui também. O piloto paulista Artur Bragantini, que pilotou este mesmo GT-40 na temporada brasileira de 1972, me contou que sentiu o mesmo problema em Interlagos e que tiveram muito trabalho até acertar a traseira.
Nunca perguntei ao Sidney - embora já tenhamos conversado várias horas - qual era a capacidade cúbica deste motor: 4.2 litros ou 4.9 litros?
De qualquer maneira, parabéns pelo excelente post e pelo depoimento exclusivo do grande Sidney "GT-40" Cardoso.

Cesar Costa disse...

Já disse isso ao Sidney: cansei de pilotar esse carro na minha imaginação e era exatamente como ele descreveu!!!

Sidney Cardoso disse...

Joaquim e amigos
O nosso tinha 4.736cm3.

Fico feliz em saber dessas notícias suas, pois devido a uma operação fiquei um bom tempo no hospital e não tive muitas informações adicionais sobre ele.

Vou descrever apenas mais três coisas interessantes que, na pressa, acabei me esquecendo:

Ponto positivo:

1 - Embora em todos carros de corrida procurássemos deixar a embreagem com o mínimo de curso possível para se perder pouco tempo nas mudanças de marchas, o GT 40 já veio com uma novidade que nunca havia visto em outro carro: o curso do pedal da embreagem era apenas de 2 centímetros!!!

A diferença era que embora deixássemos a parte utilizada nos outros carros pequena, tínhamos que usar o longo curso do pedal, já no GT 40 não, entenderam?

2 - O Fórmula Ford que não tinha o mesmo motor, mas tinha uma boa relação peso/potência, da mesma forma que o GT 40 na saída das curvas dava aquele pulo abaixando a traseira e levantando a frente, como uma fera querendo dar um bote, como bem descreveu seu Manoel Pereira.

3 - O CÚMULO DO AZAR:

Quando o nosso GT 40 afinal ficou pronto depois de uma longa novela para se balancear seu motor após os 1000 Kms da Guanabara 1969, fomos para São Paulo certos de que iríamos bater o record de Interlagos.

Imaginávamos que nossa corrida sendo a preliminar da Fórmula Três, nosso treino seria primeiro.

Ledo engano, os F-3 saíram para treinar primeiro e Wilson Fittipaldi Jr. com um deles bateu o recorde com o tempo de 3m.6s 3décimos.

Saí depois e fiz apenas o recorde de Interlagos para a categoria esporte protótipo com 3m.13s.

Este recorde de esporte protótipo ficou por algum tempo, mas como o F-3 havia quebrado o geral de Interlagos a mídia não deu destaque ao nosso.

Sei que alguns podem estranhar este fato, pois na corrida desta preliminar havia feito a melhor volta com 3m.27s, acontece que no dia da corrida estava chovendo.

Abraços a todos.

Sidney Cardoso disse...

Sr. Manoel Pereira

Desculpe-me, como vim aqui na pressa, pois estou com obras em casa, mas sempre que tem alguma matéria que estou envolvido gosto de acompanhar, me esqueci de responder ao Sr.

Me lembro sim de quando o Sr. falou no blog do Maurício Morais que ficava assistindo de cima do basculante do seu caminhão.

Me lembro, também, que falei para o Sr. que tinha um amigo o "Tião", que fazia o mesmo.

César

Se Ricardo Achcar não tivese pra fora naquele tempo, creio que ele teria resolvido o problema da barra estabilizadora e o GT 40 iria andar bem mais ainda do que andou.

Cesar Costa disse...

Sidney:
Freud explica! Naquela época não conhecia ninguém no autódromo (os amigos todos gostavam de futebol). Meu pai me desovava lá e eu voltava sozinho para casa no Leblon (e naquele tempo era loooonge pacas). Numa das minhas andanças pela pista (bastava passar por uma cerquinha mixuruca de arame farpado entre a Norte e as arquibancadas), fui fuxicar na Lola dos De Paoli, que na estréia quebrou no "S". Olhei a bicha toda, vi o interior etc e tal, mas nunca me imaginei "pilotando" a dita cuja. Já com o GT-40... Aí quase 40 anos depois conheci você. Se tivesse conhecido naquela época, com certeza estaria ao lado do "lourinho' nas filmagens.
Abraços virtuais!

Anônimo disse...

Sidney Cardoso e Joel Cesetti
Vim aqui através do blog do Maurício Morais.
Pô, você não ficou com o record de Interlagos no geral, porém ficou com o record do Esporte Protótipo, está reclamando do quê?
Edgard Gouvêa